De costas para o povo e a serviço do lucro das empresas de transporte e logística que atuam no comércio da Estrada Nova. Avenida Liberdade: uma enorme farsa!
Por: Mauricio Santos Matos*
O Governo Helder Barbalho/MDB quer avançar sobre áreas de proteção ambiental e derrubar 68 hectares de floresta urbana para construir uma avenida que chama de “Liberdade” e diz ser “sustentável”. Um hectare de terra corresponde a aproximadamente um campo de futebol. Agora imagine uma área do tamanho de 68 estádios do Mangueirão sendo desmatada.
A obra irá impactar diretamente o território do Quilombo do Abacatal, além de um espaço ocupado por ribeirinhos, reivindicado como território ancestral do povo Tupinambá.
Também trará impactos sobre áreas de pesquisa da UFRA e EMBRAPA, e está localizada em um ponto muito sensível para a população de Belém: o entorno dos lagos Bolonha e Água Preta, de onde a COSANPA faz a captação da água para posterior tratamento e distribuição, para ser consumida pelas famílias que moram em nossa cidade. Ou seja: é uma nova ameaça de contaminação para a água que sai da torneira de sua casa.
Para quem irá servir a construção da Avenida Liberdade? Segundo o autor, não será para população da cidade, mas servirá aos interesses das empresas de transporte e logística que operam no comércio da Estrada Nova.
No dia 15 de junho, o governo do estado do Pará organizou uma festa na Avenida Perimetral, próximo ao portão de acesso à Universidade Federal Rural da Amazônia–UFRA, com direito à campanha eleitoral antecipada do pré-candidato à Prefeitura de Belém pelo MDB.
O motivo era a simples assinatura da Ordem de Serviço para o início das obras da Avenida Liberdade.
Uma cerimônia administrativa para a qual bastava uma mesa, uma cadeira e uma caneta para assinar. Mas, politicamente, era necessário mais. Era preciso fazer um evento público para pressionar aqueles que ainda fazem alguma resistência ao atual domínio eleitoral da família Barbalho e do MDB no estado do Pará.
A grande propaganda que faz o governo é que a nova avenida trará grandes melhorias para o trânsito na capital paraense, acabando com o engarrafamento na saída da cidade, além de permitir melhorias significativas “na qualidade de vida dos moradores”, sendo alardeada como um modelo sustentável de avenida, que respeitaria a população e teria “compromisso com o meio ambiente”. O projeto, antes de sofrer nova alteração, chegou a ser chamado de “Eco Rodovia Liberdade”.
PA-020: de Belém a Santa Maria
O projeto inicial da Rodovia PA-020 previa sua extensão até o município de Santa Maria, início da BR-010 (Rodovia Belém-Brasília). Partindo da Avenida Perimetral, ao lado da UFRA, foi idealizada ainda no governo de Simão Jatene, em 2015, e incluída no Projeto Pará Viário 2020, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia–SEDEME.
Esse projeto foi temporariamente suspenso, devido ao alto custo para sua implantação. O governo Helder tenta construir apenas o primeiro trecho do projeto, com 13,4 km, para beneficiar as empresas que atuam com transporte de cargas em Belém.
Números divergentes: o uso da desinformação para tentar justificar socialmente a obra
Em ofício da Secretaria de Estado de Transportes–SETRAN enviado à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade–SEMAS, datado de 18/12/2020, é informado que haverá a “atração de 5 mil veículos/dia” para a Av. Liberdade.
Mas no mesmo mês de dezembro/2020, uma apresentação institucional da própria SETRAN aumenta esse número e afirma que “haverá a atração de 6 mil veículos/dia”, vindos da BR-316.
Entretanto, agora em março de 2024, em matéria publicada na edição eletrônica do jornal Diário do Pará, de propriedade da família do governador Helder Barbalho, aparece número bastante diferente. Foi informado à população que a “expectativa é que mais de 23 mil veículos transitem pela nova via”.
Esse último número coincide com as informações prestadas pela SETRAN em julho/21, durante evento ocorrido na Procuradoria Geral do Estado–PGE. Nessa outra versão, haveria a “atração de 23.383 veículos/dia da BR-316 e Alça Viária” para a Av. Liberdade.
Para dar à obra uma dimensão superestimada, que justifique a absurda derrubada de milhares de árvores em uma área de proteção ambiental, o número de veículos que transitam pela BR-316, tomado como base para as análises sobre a viabilidade da nova avenida, é alterado conforme a conveniência, utilizando-se trechos diferentes: ora Belém-Capanema, ora Belém-Benevides, ora Belém-Marituba.
Em julho de 2021, quando Adler Vieira ocupava a chefia da SETRAN, apresentou à PGE informações referentes ao volume de veículos que transitavam entre as cidades de Belém e Capanema. Conforme a direção do fluxo, de 42 mil a 51 mil veículos/dia.
Já em outro momento, durante Audiência Pública no dia 20/12/2023, o mesmo secretário informou que o volume de veículos na BR-316, no trecho compreendido entre Belém e Marituba, “vai ter aproximadamente um trânsito, um fluxo, de 100 mil veículos por dia”.
Mas no dia da assinatura da ordem de serviço, mês passado, o agora titular da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística–SEINFRA (nova nomenclatura da SETRAN) afirmou que circulam pela BR-316, no trecho que será impactado pela Av. Liberdade, “mais de 23 mil veículos por dia”.
A dúvida que fica é: o governo não realizou estudos de forma adequada e séria, ou apresenta, de maneira proposital, números divergentes para provocar desinformação?
Desmontando a farsa da enorme redução do tempo de deslocamento
Utilizando ferramentas simples, em tempo real, como um aplicativo que se utiliza de informações de trânsito para mostrar rotas entre dois pontos de um mapa, é possível questionar as afirmações do governo estadual a respeito da “redução no tempo gasto pelos usuários no deslocamento de entrada e saída de Belém”.
Com esse aplicativo, em janeiro de 2024 foram realizadas quatro simulações, tendo como origem e destino os mesmos locais: a sede da Prefeitura de Belém, no bairro da Cidade Velha, e a confluência da BR-316 com a Alça Viária (PA-483), no município de Ananindeua.
Na primeira simulação, foi usado o trajeto via Av. Magalhães Barata, Av. Almirante Barroso e BR-316. A segunda simulação usou a alternativa da Av. João Paulo II. São os trajetos comuns usados pela população para o deslocamento desde o centro de Belém até Ananindeua. Em ambas as simulações, no mesmo dia e horário (08h30), o tempo foi igual: 41 minutos para percorrer uma distância de 21 km. Alternativas a esses trajetos se mostraram mais demoradas, gastando-se 45 ou 46 minutos.
A terceira simulação utilizou a rota que passa pela Av. Roberto Camelier, Estrada Nova (Av. Bernardo Sayão) e Av. Perimetral, até a UFRA. A partir dali, considerou-se a utilização hipotética dos 13,4 km da Av. Liberdade, a uma velocidade constante de 80 km/h, até a Alça Viária, retornando para a BR-316, no mesmo local de destino das duas primeiras simulações. O resultado foi a diminuição do tempo de deslocamento para 37 minutos. Ou seja: houve a redução de somente 9,8% (4 minutos) em uma rota ampliada para 26,4 km.
Em outras experimentações, foi utilizado como ponto de origem o parque zoobotânico do Museu Emílio Goeldi, na Av. Magalhães Barata, bairro de São Brás. Os resultados foram semelhantes, com redução de apenas 3 a 4 minutos, comparando-se com a utilização de uma hipotética Av. Liberdade.
Evidencia-se, portanto, que uma grande mentira está sendo contada para a população e para Instituições públicas a respeito da “redução do tempo de deslocamento” com uma obra que irá desmatar 68 hectares de floresta urbana e irá consumir R$ 400 milhões dos cofres públicos para atender demandas dos empresários, que com seus caminhões destroem as calçadas e infringem leis de trânsito na Estrada Nova.
Os números encontrados nas simulações estão muito distantes dos 43 minutos que a SETRAN afirmou que serão poupados. Mas essa outra farsa será desmontada na parte 2 desta matéria.
Texto: *Mauricio Santos Matos (santosmatos67@yahoo.com.br) é ativista ecossocialista. Licenciado em Artes pela UFPA e servidor público estadual do MPPA, atualmente é membro da coordenação nacional da FENAMP (Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais) e da coordenação do Núcleo Pará da Auditoria Cidadã da Dívida.
Edição: Info.Revolução
Imagens: Foto Divulgação
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